segunda-feira, julho 11, 2005

o trabalho

como só tenho férias a partir de 1 setembro, é natural que me questione sobre o sentido do trabalho

ditos sobre o trabalho:

o trabalho dignifica (não sei quem o disse)
o trabalho liberta (credo, sim, nas portas de auschwitz)
o homem não foi feito para trabalhar mas sim para criar (agostinho da silva)
"não há tarefas gloriosas, umas menos outras mais, todas elas são formosas, o amor as torna iguais" (avô)

será que a espécie humana conseguiria viver sem trabalhar?
será que cada um de nós seria capaz de viver sem trabalhar?
eu tenho a certeza que muitas das horas que a humanidade como um todo passa a trabalhar no mínimo não servem para a melhoria do bem estar social, e no máximo, até prejudica (segundo a classificação de max-neef muitas horas de trabalho têm como produtos pseudo-satisfactores e mesmo inibidores da satisfação das necessidades humanas)

eu consigo ter muito prazer a trabalhar mas também consigo ter muito pouco.
eu acho que muita da falta de produtividade portuguesa tem a ver com não ver para que pode servir tanto trabalho, quando no fundo no fundo o que é bom é a simplicidade da areia e do mar

eu sonho com um mundo onde só haja necessidade de um minimozinhoito de trabalho-trabalho, e que as pessoas possam ter a liberdade de desenvolver o seu trabalho-criativo e, de ,sim, como não, passarem muito tempo a terem muito prazer entre mergulhos no mar e conversas na areia, ou mergulhos na areia e conversas no mar

6 Comments:

Blogger ana vicente said...

É por isso que jogo no Euromilhões.
Caminho fácil (embora improvável) de alcançar o dilentatismo.
Ou preguiça em mudar de vida.

julho 11, 2005  
Anonymous Anónimo said...

Falas em sonho e isso é hoje cada vez mais uma necessidade, se queremos que o trabalho possa continuar a ser (começar a ser?) um direito universal. A necessidade da redução do horário de trabalho é hoje uma evidência. Apenas isso, uma evidência, o que não significa que muitas pessoas a vejam ou queiram ver, normalmente é isso que acontece com as evidências. :) Mas hoje nem há muita gente a pensar nestas questões com um sentido colectivo, só se pensa nos resultados, um pouco como em Auschwitz. O dinheiro, essa suprema utopia individualista, substituiu e matou quase todas, senão todas, as aspirações colectivas.

Mas essa frase: o trabalho liberta!, tem muito que se lhe diga. É uma frase intrigante. Por um lado, ela pode ser vista apenas como um exercício de ironia sarcástica em relação àqueles que entravam em Auschwitz; um pouco como escrever "Este é o Rei dos Judeus", por cima de um homem que morre, ao que parece, numa das mais humilhantes (mas nada pouco praticadas) formas de morte desse tempo: a cruz. (O crucifixo é outro símbolo de que também se poderia dizer muita coisa, não é?). Mas "O trabalho liberta", esta frase, assim, descontextualizada, podia bem ser assumida e defendida por muita gente, desde que desconhecesse aquilo a que ela está associada, não achas? E, na verdade, aquilo a que ela está associada é apenas o acto delirante de levar ao extremo uma patologia que, no fundo, já está presente nestas imagens que fazem do trabalho, do sofrimento e do sacrifício bens em si – e lá vem o crucifixo. :)

A frase do avô é muito bonita. O Agostinho da Silva também dizia, se bem me lembro (como dizia o outro), que o homem tinha sido feito para vadiar. E aqui está uma palavra, que ao contrário da palavra trabalho, é usada em sentido pejorativo. O vadio é aquele que não quer trabalhar, o malandro, o que não quer fazer nenhum, o que quer é boa vida – e esta ideia é paradigmática de como o trabalho, as we know it, assenta numa cultura de ressentimento e vingança. Se eu sofro, também tens que sofrer. E se tu sofreres mais do que eu, o meu próprio sofrimento começa-me a dar um prazer perverso. Há uma frase que já ouvi uma série de vezes e que me faz alguma impressão, qualquer coisa como: quando te sentires mal, lembra-te que há sempre alguém pior do que tu – pronto, até aqui menos mal, isto poderia significar que se há tanta gente pior do que eu, que direito tenho eu de me queixar? O que apesar de tudo já não é um muito bom princípio – mas este conselho costuma acabar com a sugestão de que isto, saber que existe sempre alguém pior do que nós, nos deveria fazer sentir melhor. Como se o meu prazer dependesse do sofrimento alheio, quando, na verdade, ele devia era depender do prazer alheio. O ser humano é uma criatura estranha.

Digo outra vez, até porque já a reli muitas vezes, a frase do avô é muito bonita. E faz-me lembrar outro avô que aparece num romance - um belíssimo romance de infância :) - do Baptista-Bastos, Cão velho entre flores:

"Perguntei ao meu avô:
- Avô, que é um artista?
- Ora aí está uma pergunta a que não sei responder.
O meu avô estava sentado sobre as raízes expostas do velho carvalho da calçada e havia sol, breve.
- O meu pai é um artista?
- O teu pai é bom homem: é o chefe nominal de uma família empobrecida e gosta de sonhar.
- Sonhar é ser artista?
- Chamam-me sonhador - disse o avô.
- Então o avô também é um artista?
- Lá me vou defendendo."

(Baptista-Bastos)

julho 12, 2005  
Blogger ana said...

"A necessidade da redução do horário de trabalho é hoje uma evidência." - sim, por dois motivos, para aumentar o número de pessoas que tem direito ao trabalho, e para aumentar a qualidade de vida, o tempo de qualidade que cada pessoa tem na sua vida

o dinheiro substitui as aspirações, porque nos vendeu as suas aspirações. quantas pessoas ja viveram mais ou menos felizes, sem nada daquilo que hoje o mercado nos "oferece" como indispensável?
já quase ninguém neste mundo ocidental acha possível viver sem uma panafernália de bens, privados, individualizados. e a verdade é que se um dia tiver uma filha que me peça uma barbie, talvez lha compre com medo que ela seja ostracizada pelas colegas. a pressão e a comparação social talvez não tenha aumentado ao longo do tempo, mas os motivos de "status" tornaram-se convenientes ao mercado, deixaram de ser o que se faz mas o que se tem (cliché, eu sei, mas...)

em relação ao "trabalho liberta", eu acredito que o trabalho pode ser terapêutico. a necessidade satisfeita de sermos úteis para algo. mas muitas pessoas não consegue ver o trabalho como esse contributo para algo, mas sim como um castigo.

por outro lado o trabalho pode libertar da pobreza.
assim seja.

julho 13, 2005  
Anonymous Anónimo said...

Vou procurar resumir o nosso sistema económico, que irremediavelmente condiciona as nossas vidas:

(suposta) necessidade -> trabalho -> produção -> venda -> lucro(ou sobrevivência no mercado) -> "geração" de novas "necessidades" (para justificar investimentos e empregos gerados) -> mais trabalho -> nova produção -> vendas (necessárias para manter uma estrutura cada vez maior) -> lucro(ou sobrevivência) ... etc.

É claro que o excesso de simplificação não contempla todas as nuances, a complexidade inerente à sociedade de consumo, de produção, de economia. A mim, no entanto, parece-me evidente que este sistema é puramente artificial e alimenta-se a si próprio. Aliás, tem um apetite voraz e praticamente não deixa ninguém de fora, a não ser os muito ricos e os extremamente pobres. Eu diria que a maioria das "necessidades" actuais não existe realmente; o "sistema" (conceito abstracto mas aceite quase em unanimidade como essencial e inviolável,incontestável) precisa de as ir inventando para atingir aquilo a que os economistas falam no maior estado de reverência: o crescimento económico.

Acho este conceito, esta suposta inevitabilidade do "crescimento económico", uma ingenuidade, enfim, uma forma particular de estupidez. Passo a explicar: parece-me um bocado infantil pensar que este "crescimento" possa continuar indefinidamente, como se fosse uma espécie de ponte luminosa que nos levará ao Paraíso...não. Esta ideia, parece-me, só acentua os problemas com que nos debatemos actualmente - pobreza, desigualdade social, impactes adversos no ambiente, excesso de trabalho, doenças, conflitos, etc. - em vez de ajudar a resolvê-los. Se a ideia é atingir algo parecido com uma utupia de bem-estar e qualidade de vida, tenho quase a certeza que não é por este caminho que lá se vai chegar.

Talvez o foco da vida neste planeta tenha de mudar, para que tudo o resto também mude, ou seja, que o "crescimento económico" deixe de ser o "pão-nosso-de-cada-dia"... Que valores mais altos de levantem!!... :)

Já agora: um grande abraço para ti, Ana, que já "à bué" que não ponho a vista em cima, e sinceramente já começo a ter saudades!... :)

julho 19, 2005  
Blogger ana said...

concordo com o teu esquema!

a geração de necessidades é das coisas que mais dá lucro hoje em dia! pois, essa mesma, a publicidade!

com todos os defeitos que cuba tem (que tem) houve uma coisa que adorei: andar pelas ruas sem sentir um único apelo ao consumo, sem me sentir assaltada por uma imagem que me colocava na cabeça a questão se eu afinal não precisaria daquilo.

sinceramente, acho mesmo que uma das medidas mais inteligentes que o estado português podia tomar era reduzir a quantidade de publicidade em espaço público. talvez não diminuisse assim tanto o consumismo e endividamento em geral, mas melhorava a MINHA qualidade de vida.

julho 20, 2005  
Blogger T. M. said...

não podia estr mais de acordo. trabalho o "necessário". ou melhor, o que "cada um quiser", não gosto de paternalismos. mas workhalocs que só pensam em trabalho e dinheiro e isso tudo são bem desinteressantes para mim...

julho 29, 2005  

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