segunda-feira, março 06, 2006

o narciso

"o narcisismo define-se menos pela explosão livre das emoções do que pelo encerramento em si próprio, ou pela "discrição", signo e instrumento do self-control. Sobretudo nada de excessos, de transportes, de tensões que nos ponham fora de nós; é a retracção sobre si próprio, a "reserva" ou a interiorização que caracteriza o narcisimo, e não a exibição "romântica""

(...)

"Se eu ao menos pudesse sentir alguma coisa!": esta fórmula traduz o «novo» desespero que fere um número cada vez maior de sujeitos. Sobre este ponto, o acordo dos psi parece unânime: desde há 25 ou 30 anos, são as desordens do tipo narcísico que constituem a maior parte das perturbações terapêuticas tratadas pelos terapeutas (...). As perturbações narcísicas apresentam-se menos sob a forma de perturbaçoes com sintomas nítidos e bem definidos do que sob a forma de «perturbações caracteriais», caracterizadas por um mal estar difuso e invasor, um sentimento de vazio interior e de absurdo da vida, uma incapacidade de sentir as coisas e os seres. Os sintomas neuróticos que correspondiam ao capitalismo autoritário e puritano deram lugar, sob impulsaõ da sociedade permissiva, a desordens narcísicas, informes e intermitentes. Os pacientes já não sofrem de sintomas fixos, mas de perturbações vagas e difusas; a patologia mental obedece à lei do tempo cuja tendência é para a redução da rigidez, bem como para a diluição dos pontos de referência estáveis: à crispação neurótica substituiu-se a flutuação narcísica. Impossibilidade de sentir, vazio emotivo, a dessubstancialização toca aqui o seu termo, revelando a verdade do processo narcísico como estratégia do vazio."

Gilles Lipovetsky, A Era do Vazio

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Excellent, love it!
»

agosto 09, 2006  

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