quarta-feira, setembro 21, 2005

o melhor poema do mundo

you are welcome to elsinore


Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício


Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição


Entre nós e as palavras, surdamente,
as mão e as paredes de Elsinore


E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita


Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar

Mário Cesariny de Vasconcelos

2 Comments:

Blogger ana vicente said...

Perfeito. E há tantas vezes que as palavras falham, em que nos fartamos de falar, de escrever e de pensar. É por isso que o Cesariny sabe e prevê só "espasmos só amor só solidão desfeita" a fazer de conta que são palavras.

setembro 21, 2005  
Blogger ana said...

e a escreverem muito alto, muito para além...


é a parte mais bonita de tudo, essa solidão desfeita

setembro 22, 2005  

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