sexta-feira, janeiro 27, 2006

assim, assim, para eu gostar de mim

"oh ana, eu quero sentir as coisas assim"

e dentro de mim cresceu uma ternura imensa e tive vontade de lhe dar colo e prometer que um dia ela vai sentir as coisas assim.

mas no fundo eu não acreditava que as coisas pudessem ser sentidas assim, não aqui, não nesta cidade, não com este tipo de vida, não com este cinismo, não com este prêt-a-porter, não com milhares de solicitações a evitarem que nos foquemos, não com tanta gente a passar por nós ao mesmo tempo, não com tão pouco tempo para estarmos uns com os outros, apenas lá.





talvez o pior mal do consumismo seja matar a intensidade com que conseguimos sentir as pequenas coisas, pôr-nos cera nos ouvidos, e não nos dar a cotonete. há quem acredite que a solução seja intensificar as fontes, aumentar o volume, ir até ao limiar da vida.


Crash, 1996, Cronenberg

mas há também quem não vá por aí...

10 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Gostei do Crash, foi um filme marcante, mas tb p saber que não é por aí. Não tenho a pretensão de me sobrepôr e ser maior e mais forte do que o que me rodeia e condiciona o ritmo, o biorritmo, o espaço, as pessoas com que me confronto e as que tenho à mão, procuro por isso rodear-me do que me convém mais, sabendo que a solução perfeita não existe.

Tenho conseguido, melhor ou pior, fazê-lo. Recomendo a todos e qualquer um que o procurem fazer também.

Há soluções para além de vencê-los ou juntarmo-nos a eles. Também nos podemos mudar.

janeiro 27, 2006  
Blogger ana vicente said...

com a tua distãncia "cínica", com o teu olhar frio e objectivo (o tal que faz com que vejas a cidade como a vês), vais apurar essa ternura, enriquecê-la e, provavelmente, transbordá-la. É bonito de se ver.
Sem cera nos ouvidos, parece-me.

janeiro 27, 2006  
Blogger ana said...

doris, não resisto a perguntar (raramente resisto a uma pergunta, bem sabes)... o que é que te convem mais?

ana vicente, apurar a ternura é um conceito muito bonito (acho que falas de experiência própria, eihn?). tem dias em que sinto que sim, que tou no caminho. outros...

janeiro 27, 2006  
Anonymous Anónimo said...

o que me convém mais é o que não me aliena de mim própria, o que não me desgasta sem fruto ou significado, o que não me causa alergia, o que me permite o espaço para não sentir o que descreves no teu post.

acho que a alergia é uma boa analogia pra isto (sem ser assim tão metafórica se pensarmos no psico-somático): há coisas, que por mais que eu me queira habituar a elas, me provocarão sempre alergia, como o pó, não depende de mim, o meu corpo é assim e pronto! Do mesmo modo com o estilo de vida.

ser bonito de se ver sem cera nos ouvidos é um conceito giro!:o)

janeiro 27, 2006  
Anonymous Anónimo said...

"O maior inimigo da evolução pessoal é a própria pessoa" (alguém deve ter dito isto)

A preguiça e o medo mascaram-se de desculpas.

"não aqui, não nesta cidade,..., apenas lá"

Basicamente... desculpas. Se ao menos tivessemos a coragem para fazer o que deviamos!

janeiro 27, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Caro Dr,

Acho bonito que se considerem todas as contrariedades como desculpas e sim, acima de tudo há que dar o empenho e a esperança para ter fruto, mas ainda assim acho simplista.

As pessoas não são todas iguais, umas são mais adaptáveis que outras. Mas os espaços e os tempos e os outros à nossa volta também não são todos iguais e também eles são mais ou menos adaptáveis aos nossos esforços. Tentar ignorar isso por uma esperança maior de ultrapassar tudo é ser irrealista e pode chegar a ser uma atitude avestruz.

Em suma, o meu caminho também é aquele que eu consigo fazer, também é aquele que de facto me leva para onde sou mais eu e mais feliz, não apenas aquele que eu sonho fazer ou que vivo, quiçá, no meu quotidiano e a cujas frustrações já estou habituada (não necessariamente conformada, atenção!)

janeiro 27, 2006  
Blogger ana said...

sim dr, falta-nos coragem para muitas coisas para as quais só arranjamos desculpas se quisermos, mas não, não temos uma liberdade imensa para gerir a nossa vida e, na verdade, há coisas que nos são impostas (claro que as podemos recusar mas para isso temos que abdicar de muito) (como por exemplo o facto de termos que trabalhar para viver, usualmente um numero considerável de horas), que nos tiram energia para nos conduzirmos para onde gostariamos de ir.

mas de qq forma podemos sp gerir-nos melhor e com mais coragem, é bem verdade.

janeiro 27, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Doris, sim é simples. A verdade que a vida é muito simples, nós é que a tornamos complicada.

Eu tb tento seguir o meu caminho. Mas a verdade é que se calhar não faço o esforço que deveria fazer o seguir, e tb digo as mesmas desculpas, "o tempo é pouco, o ambiente é mau, bla bla bla". No livro (agrrr, eu e os raios dos livros) "a vida de chico xavier" (ou qq coisa assim), fala de uma parte em que um autocarro cheio de crentes vem à procura dele para serem ajudados, ao que ele responde (mas ajuda na mesma as pessoas) "o que vos falta é trabalho, peguem numa enxada e vão trabalhar que os problemas desaparem logo" (não é uma citação, é só o sentido).

O que eu kero dizer é: Não se queixem tanto, pq o poder de fazer é vosso. Se não fazem, é porque não querem ter o trabalho ou porque não vos interessa fazer. Sejam honestos convosco. Eu falo por mim. Sou programador web, trabalho que detesto, mas que para já me serve. É o preço que tenho de pagar para ter dinheiro ao final do mês. Mas não me posso keixar, pois se realmente eu kisesse outra coisa, largava este trabalho e ia procurar o que eu gosto (este é um processo que está a decorrer).

Ana, tudo tem um preço. No outro dia a falar com um amigo meu que não se cala com o euromilhões, ele disse que não compreendia pq ainda não o tinha ganho... eu perguntei-lhe "o que deste tu em troca para mereceres tanto dinheiro?". Ele respondeu pq não havia ng melhor para isso.

Neste blog (nos comentários deste blog) tenho dito muita coisa que para mim são verdades. Tento seguir o exemplo de cristo, misturado com buda, enfim, seguir o caminho para o qual eu encarnei. Tou a tentar com isto dizer que estas são as minhas crenças, e não kero de maneira nenhuma tentar convencer que estou certo, ou que este caminho é melhor que o outro. Mas aqui encontro pessoas com quem discutir este assunto, que com grande pena minha, não tenho ng, ou quase ng, não virtual com quem possa falar/discutir. Desculpem os longos textos, mas já que me aparece a oportunidade para falar, aproveito-a, e obrigado por me contradizerem, para que possa pensar sobre o que disse e assim aprender.

=D

janeiro 27, 2006  
Blogger anarresti said...

"intensificar as fontes, aumentar o volume, ir até ao limiar da vida". Isto fez-me lembrar um outro filme. "Os Idiotas". No caso daquele grupo de pessoas, a experiência a que eles se propuseram, que era de ruptura extrema, foi um falhanço. E até era bastante inetressante. Porque, embora parecesse ser uma ruptura com o meio, com a sociedade, era acima de tudo uma ruptura interior. Para "ser um idiota" era necessário vencer quase todas as inibições que a vida ensinou até então. Mas, o filme mostra isso de uma forma brutal, falhou. Não vou agora dissertar sobre isso, embora seja algo bastante interessante. Sobre a vida moderna há algo que me parece bastante simples mas fundamental. Considero [comigo resulta] essencial para o equilíbrio mental não viver de forma esquizofrénica - que é o normal nos dias de hoje. As pessoas têm um eu-profissional e quando saem com os amigos à noite um eu-informal e só nesses momentos se soltam um pouco. Durante meses a fio trabalham como cães para terem dinheiro suficiente para poderem passar 8dias/7noites de férias em que possam tirar fotografias de que se não se envergonhem de mostrar aos amigos e à família. E, claro, os destinos que hoje são moda, pró ano são "típicos de classe média-baixa" ou coisa que o valha. O que quero dizer é que as pessoas acham normal durante o dia ser uma pessoa e em casa outra. Aturar o patrão e engolir sapos e fazer body combat imaginando que se está a espancar o sacana. Isso é esquizofrenia. A minha receita pessoa é manter sempre o mesmo registo mental. Não andar aos saltos, a tirar e pôr máscaras, a cerrar os dentes e dizer uma coisa quando quero dizer o contrário. Não achar normal viver debaixo de tensão. Não aceitar aceitável perseguir os falsos valores de uso que os outros me querem vender. Procuro ser o nuno desde que acordo até que me deito. E dá um certo trabalho. Mas é uma tarefa agradável. Acabei por descobrir que gosto deste gajo que vive no meu corpo. E que me estou a cagar para uma série de coisas, a que muita gente dá uma importância que desisti de perceber. Um abraço grande, nuno.

janeiro 27, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Caro Nuno: fortíssima chapada na cara totalmente no ponto! A esquizofrénica em mim precisava de ouvir isso. Obrigada.

janeiro 30, 2006  

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