queres tu ver?
ontem, dia mundial da poesia que foi, deu este poema na rtp, naquela cena que eles dão, que normalmente tem uma realização brutal e os poemas são normalmente muito bons:
"Às vezes sabes sinto-me farto
por tudo isto ser sempre assim
Um dia não muito longe não muito perto
um dia muito normal um dia quotidiano
um dia não é que eu pareça lá muito hirto
entrarás no quarto e chamarás por mim
e digo-te já que tenho pena de não responder
de não sair do meu ar vagamente absorto
farei um esforço parece mas nada a fazer
hás-de dizer que pareço morto
que disparate dizias tu que houve um surto
não sabes de quê não muito perto
e eu sem nada pra te dizer
um pouco farto não muito hirto e vagamente absorto
não muito perto desse tal surto
queres tu ver que hei-de estar morto?"
Ruy Belo
e deu este poema. no dia mundial da poesia falou-se de morte. e queres tu ver que eu gostei? e fiquei toda contente por dentro? tenho dado por mim a fotografar campas de cemitérios, e queres tu ver que gosto? eu que nunca fui gótica, e que sempre tive uma certa frieza em relação a essas coisas da morte, e queres tu ver que a sinto mais de perto?
se me perguntarem se tenho medo, respondo, como sempre, que tenho mais medo do arrependimento,da omissão, que da morte. não faças nada de que te arrependas, não faças nada e arrependes-te.
queres tu ver que eu acho que a poesia também é isso de dizer "queres tu ver que hei de estar morto?", e que has-de, e que todos havemos de.
mas hoje aqui, agora, ainda não. queres tu ver-me-te vivos?
"Às vezes sabes sinto-me farto
por tudo isto ser sempre assim
Um dia não muito longe não muito perto
um dia muito normal um dia quotidiano
um dia não é que eu pareça lá muito hirto
entrarás no quarto e chamarás por mim
e digo-te já que tenho pena de não responder
de não sair do meu ar vagamente absorto
farei um esforço parece mas nada a fazer
hás-de dizer que pareço morto
que disparate dizias tu que houve um surto
não sabes de quê não muito perto
e eu sem nada pra te dizer
um pouco farto não muito hirto e vagamente absorto
não muito perto desse tal surto
queres tu ver que hei-de estar morto?"
Ruy Belo
e deu este poema. no dia mundial da poesia falou-se de morte. e queres tu ver que eu gostei? e fiquei toda contente por dentro? tenho dado por mim a fotografar campas de cemitérios, e queres tu ver que gosto? eu que nunca fui gótica, e que sempre tive uma certa frieza em relação a essas coisas da morte, e queres tu ver que a sinto mais de perto?
se me perguntarem se tenho medo, respondo, como sempre, que tenho mais medo do arrependimento,da omissão, que da morte. não faças nada de que te arrependas, não faças nada e arrependes-te.
queres tu ver que eu acho que a poesia também é isso de dizer "queres tu ver que hei de estar morto?", e que has-de, e que todos havemos de.
mas hoje aqui, agora, ainda não. queres tu ver-me-te vivos?
posted by ana at 1:55 da tarde
11 Comments:
Estar-se apaziguado com a ideia "eu hei-de estar morto" é uma maturidade que desejo me preencha antes de eu sentir a morte como algo de próximo. Já acompanhei moribundos. E pessoas que me eram próximas. Conheço, de a ver nos outros, a negação da certeza "vou morrer". Que percebo, é um pouco diferente sentir já os dedos firos da senhora no pescoço e conseguir dizer-lhe, "aperta lá, estás à vontade". Mas eu desejo, serenamente, amadurecer para ver chegar o dia em que cante suavemente "também eu hei-de morrer" e fazê-lo - não para invocar um romantismo patético que enalteça os medos que rodeiem a morte [acho que te referias a isso quando dizias que nuncas foste gótica] - mas simplesmente porque a integro nos ciclos naturais e desejáveis porque passo. E porque também eu passo. Um abraço.
gosto, queres tu ver?
olha, por falar em tirar campas a mortos, lembras-te de uma converseta antiga sobre cadáveres e malta dentro de jazigos? pois, era só para lembrar-te, caso estejas interessada em tirar fotos a isso.
entretanto tirei uma foto muito fixe de um jazigo... que hei-de colocar lá para os meus lados, assim que recuperar o photoshop ilegal... hás-de ver! ou hades ver, queres ver?
onde se lê "tirar campas a mortos" deve ler-se "tirar fotos a mortos".
Ando muito escatológica e de vez em quando estes actos falhados comprometem-me.
velutha, não sei se me quero sentir apaziguada com essa ideia de hei de estar morta. quero que a ideia me incomode, me questione, no quotidiano que tenho. acho que só se me incomodar no presente, no futuro, quando a morte estiver perto, me poderei sentir tranquila, pq vivi com essa consciência e agi perante ela.
ana vicente, hades mostrar isso!
Estar apaziguada com essa ideia, Ana, significa que te podes colocar as questões com mais clareza, que a inquietude pode ser muito mais profunda. Que não ficas atolada no medo, nem cega, nem o íntimo turvo. Apenas isso. Não quer dizer que fiques a olhar para uma convergência inelutável para o fim que se aproxima, fatalista. Pelo contrário. significa que superaste o fatalismo. Que já não te amedronta o simples pensamento, "também eu vou morrer", estás em paz com essa certeza. É isso que quero dizer com "apaziguado".
então quero ser apaziguada assim! compro!
O poema é lindíssimo.
Falar de morte pode não estar directamente relacionado com o amor pela mesma. Muitas vezes não está. Mas quem sente muito fascínio pela morte, que procure a sua, não a dos outros.
sim, falar da morte no meu caso tem a ver com procurar saber amar a vida, mesmo.
Quem escreve com a força de Ruy Belo, por exemplo, nunca morre, por mais morte que esteja, as palavras vivem sempre...
ET
sim, é verdade. a força no que quer que seja imprime-nos no mundo, mesmo depois de mortos
diva-dita-por-ti-mesma? deves estar a confundir-me!
não gostas do poema que coloquei?
de qq forma o meu texto introdutório não era suposto ser poético, não percebo porque terias essa espectativa
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